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Adauto Pereira Gomes – Reciclagem e Nutrição Animal

O superciclo de commodities – Com mais de 10 anos de atuação em empresas multinacionais dos segmentos de trading de commodities, suprimentos de matéria-prima nas áreas de pet food e ingredientes para alimentação animal, biodiesel e higiene e limpeza, atuando no gerenciamento de riscos de mercado e processos industriais de reciclagem animal, o zootecnista Adauto Pereira Gomes Neto, que atualmente trabalha como consultor para stakeholders dos mercados de Reciclagem e Nutrição Animal, realizando toda a avaliação, planejamento estratégico de negócios e ações comerciais foi o entrevistado desta edição. O especialista faz uma análise detalhada do atual momento do setor brasileiro de Reciclagem Animal e o desempenho nos últimos três anos, também avalia o cenário internacional, aponta os aspectos em que a Reciclagem Animal, no Brasil, dá bons exemplos, por outro lado, o que precisa ser melhorado e finaliza com a sua mensagem para o mercado.

Revista Graxaria Brasileira – Qual a análise do desempenho do setor brasileiro de Reciclagem Animal nos últimos 3 anos (2020-2022)?
Adauto Pereira Gomes Neto – O setor de Reciclagem Animal em nível mundial, nos últimos 3 anos, experimentou o chamado superciclo de commodities que se apresentou juntamente com a pandemia e elevou o preço dos produtos. A precificação dos itens produzidos pela indústria de Rendering foi elevada a níveis jamais vistos, garantindo melhores margens para uma indústria que vinha pressionada há anos. Houve aumento de faturamento, de EBTDA e redução de prazos de recebimento. No geral, ocorreu uma melhora nos números de todo o setor, possibilitando o retorno da capacidade de investimento das empresas.
Este superciclo de commodities, como o nome sugere, atingiu não somente grãos como soja e milho, mas minérios e petróleo. Houve uma alta nos valores para novos investimentos e em custos de processos produtivos. A escalada dos preços das farinhas e gorduras proporcionou uma alta demanda por matéria-prima, elevando proporcionalmente o preço dos despojos nos frigoríficos e açougues.
O alto preço da matéria-prima jogou os holofotes dos grandes processadores de proteínas para o setor de Reciclagem Animal, que com suas receitas atrativas o enxergou com uma fonte para maximizar suas atividades e reduzir os custos fixos de produção. Os frigoríficos entraram com grandes capex em plantas de processamento, reduzindo a disponibilidade de matéria-prima, aumentando ainda mais os valores dos despojos nas praças.

Revista Graxaria Brasileira – Neste período, quais foram os principais desafios enfrentados?
Adauto Pereira Gomes Neto – O maior desafio enfrentado pelas graxarias nestes últimos 3 anos foi fazer mais com menos, tendo uma gestão voltada para redução de custos. Hoje, existe uma clara necessidade em produzir especialidades ou produtos de nicho, mostrando ao mercado quem é o detentor do core business. Aqui, aplicamos aquela velha máxima de que: farinha não é tudo do mesmo saco! Quem faz farinha por fazer, está deixando o dinheiro na mesa.

Revista Graxaria Brasileira – Também neste período, o mercado brasileiro obteve conquistas?
Adauto Pereira Gomes Neto – Entre as muitas conquistas que o mercado brasileiro de Reciclagem Animal obteve nos últimos anos podemos destacar os trabalhos realizados pela ABRA – Associação Brasileira de Reciclagem Animal em conjunto com o MAPA para abrir novos mercados como Filipinas, Indonésia, Malásia e outros mais. Uma outra importante conquista foi a migração para o sistema de alimentação animal, possibilitando a desburocratização da fiscalização e dos assuntos regulatórios. Esta migração coloca o setor de Reciclagem Animal em um status consolidado como ingrediente de origem animal no mercado de alimentação animal e não mais como subproduto da indústria frigorífica. Trata-se de uma verdadeira vitória para o setor.

Revista Graxaria Brasileira – E o cenário internacional como se comportou?
Adauto Pereira Gomes Neto – As altas demandas por produtos no mercado doméstico para atender a produção de rações para os animais de produção e pet food, associada ao aumento dos fretes marítimos e escassez de contêineres, em um primeiro momento, segurou o “apetite” dos players do mercado externo pela produção nacional, tanto que em 2019 exportamos 189,5 mil toneladas de farinhas de origem animal frente a 188,7 mil toneladas em 2020. Os números voltaram a se recuperar em 2021, com 203,7 mil toneladas exportadas.

Tratando de gorduras de origem animal, devido a maturidade da indústria de higiene e limpeza e do biodiesel brasileiro e da demanda da indústria de rações, sempre fomos importadores, tendo exportado entre os anos de 2019 e 2020, 28 mil toneladas de gorduras e importado 175 mil toneladas. Entretanto, em 2021 foram exportadas 37,5 mil toneladas e em 2022, até setembro, 60,3 mil toneladas, sendo o principal destino os Estados Unidos para a fabricação de HVO a um preço médio de USD 1.600.

Revista Graxaria Brasileira – Quais os principais ensinamentos que o cenário, tão atípico, trouxe para o mundo corporativo?
Adauto Pereira Gomes Neto – A atipicidade destes últimos três anos demonstra que devemos trabalhar com o atendimento aos mais variados segmentos de mercados possíveis. Precisamos estar prontos para trabalhar com estratégias de multicanalidades, necessitamos atender as exigências de mercado. A dinâmica de um mundo altamente globalizado que em um belo dia pode apresentar as mais inimagináveis barreiras comerciais e sanitárias, ter o máximo de certificações e habilitações é a única certeza de acesso a mais players comerciais com garantia de se ter o poder da escolha, que é sempre a garantia para quem procura uma melhor negociação.

Revista Graxaria Brasileira – Quais os pontos que ainda exigem melhorias no mercado brasileiro? Por outro lado, quais aspectos a Reciclagem Animal, no Brasil, dá bons exemplos?
Adauto Pereira Gomes Neto – Entre os pontos que talvez mais necessitem de melhorias no mercado brasileiro de Reciclagem Animal é uma melhor regulamentação dos coletores que não são indústria, os detentores de linha de coleta de despojos. Temos uma legislação muito exigente no aspecto sanitário com as graxarias e que não coíbe a ação dos coletores ilegais que agem às margens da lei, criando um desequilíbrio econômico no setor.
Quanto aos pontos que somos exemplo, por sermos o terceiro maior setor de Reciclagem Animal do mundo, somos o primeiro em qualidade de produto, tanto que os maiores fabricantes mundiais de pet food buscam proteínas e energia de origem animal em nossas farinhas e gorduras. Também não podemos deixar de citar o Brasil como exemplo de sanidade e sustentabilidade em um modo geral.

Revista Graxaria Brasileira – Teríamos como apontar algumas movimentações de mercado, demandas e tendências de consumo?
Adauto Pereira Gomes Neto – O mercado brasileiro passou boa parte de 2022 com o setor do varejo pressionado, refletindo a produção do primeiro semestre do ano. No setor de aves, segundo dados do Sindirações, tivemos uma retração de 3,2% na produção de ração de frangos de corte e de 6,3% de aves de postura. Até mesmo o setor de aquacultura apresentou um declínio na produção de rações de 3,9%. Apenas suínos e pet food apresentaram um crescimento de 6,5% e 4,1%, respectivamente. O que chama atenção é o aumento de 14% no abate de bovinos dentro do ano, mostrando a recomposição de plantel e uma grande quantidade de animais prontos para abate. Se o estado continuar com os estímulos corretos na economia, como vem apresentando, sem criar ciclos inflacionários que corroborem com a deterioração do poder de compra da população temos tudo para construir um novo ano melhor, ainda mais com um mundo que está demandando fontes alternativas de energia ao gás russo, ao combustível fóssil. Acredito que o mercado brasileiro de graxaria pode brilhar em 2023, retomando um bom saldo positivo na balança comercial com a exportação de farinhas e gorduras, a depender da política de adição de biodiesel no diesel.

Revista Graxaria Brasileira – Em termos de qualidade, sanidade e sustentabilidade do setor brasileiro de Reciclagem Animal o que poderíamos dizer?
Adauto Pereira Gomes Neto – Com relação à sanidade na indústria de Reciclagem Animal no Brasil, temos rigorosas legislações no setor, que passa pela fiscalização do Serviço de Inspeção Federal, garantindo que todas as fábricas atendam as boas práticas de fabricação, com rastreabilidade desde a originação dos resíduos in natura utilizados no processo de fabricação até o produto acabado, garantindo o máximo respaldo a cadeia de produção. As empresas aplicam programas de autocontrole, como BPF, APPCC, PSO e PPHPO. Destaca-se também que o Brasil é um país com risco insignificante de encefalopatia espongiforme bovina, livre de influenza aviária e de peste suína africana, clássica. Todos estes elementos citados, além de muitos outros, passam um grau de confiança e nível de qualidade de padrão de reconhecimento internacional.
A sustentabilidade é mais do que um tópico a ser explorado dentro da Reciclagem Animal, é o próprio conceito. Quando pensamos que um animal pode ter mais de 50% de sua destinação para esta indústria precisamos pensar na utilização adequada destes nutrientes, no impacto social que a atividade gera, na preservação do meio ambiente, e na questão econômica. É o maior exemplo de economia circular, onde o material coletado é 100% processado e transformado.

Revista Graxaria Brasileira – Para 2023 quais as expectativas e a que se deve tal projeção?
Adauto Pereira Gomes Neto – Para 2023 temos um cenário que aposta em uma maior safra de grãos, consequentemente um PIB do agronegócio maior! Temos vertentes econômicas que também colocam suas fichas em uma inflação maior e desvalorização do real frente ao dólar.
Se os alojamentos de aves, suínos e abates de bovinos repetirem como foi o início de 2022, seguindo o consumo do mercado doméstico no varejo, teremos uma disponibilidade igual de produtos entre farinhas e gorduras, mas com maior volume de óleo e farelo de soja. Com este cenário se desenhando o interessante para o setor é buscar posições de vendas no mercado externo para contrabalancear com a disponibilidade que teremos com farelo de soja, que por sua vez, apresenta estimativas de redução de preço em torno de 4,5%, em 2023.
Nas gorduras, esperamos que o preço caminhe mais lateralmente ao óleo de soja como historicamente sempre foi. As intervenções existentes no mercado no ano de 2022 foram atípicas. Para 2023 creio que continuaremos com um mercado externo com “fome” da gordura brasileira para a produção de combustível verde e, pagando bem por isto.

Revista Graxaria Brasileira – Quais deverão ser os pontos de atenção e os focos de atuação?
Adauto Pereira Gomes Neto – Creio que um dos pontos de atenção é pleitear segurança jurídica e previsibilidade para trabalhar. O diesel B14 é uma realidade e a indústria perdeu demais com a redução da mistura. O País paralisou investimentos, as FFOs perderam receitas… um ambiente saudável para os negócios é o mínimo que necessita existir.
Com relação às farinhas, insisto na importância das especialidades, dos mercados de nicho. Com o início da guerra da Ucrânia tivemos riscos reais de desabastecimento de fosfato bi cálcico, ou seja, temos espaço para produtos diferenciados, sejam com alto teor de proteína ou alto teor de minerais e elevada concentração de fósforo. Ninguém vende um punhado de sal no mar morto, precisamos nos diferenciar!

Por Lia Freire

PUBLICAÇÃO EXCLUSIVA DA REVISTA RECICLAGEM ANIMAL – GRAXARIA BRASILEIRA.
PROIBIDO A REPRODUÇÃO PARCIAL E/OU TOTAL SEM AUTORIZAÇÃO DA EDITORA STILO.
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