Em seu quarto mandato como presidente da SBOG, cargo assumido em meio à pandemia e em um contexto completamente atípico, Jane conta sobre os atuais trabalhos, os desafios e as prioridades da Associação para a área de óleos e gorduras.
Por: Lia Freire
Revista Óleos & Gorduras – Como e quando teve início a sua relação com o setor de óleos e gorduras?
Jane Mara Block – Minha atuação nesta área teve início com minha mudança para Campinas (SP) para a realização da parte experimental do meu mestrado, em dezembro de 1990, no Laboratório de Óleos e Gorduras da UNICAMP sob a orientação do professor Dr. Daniel Barrera-Arellano. Minha dissertação defendida em março de 1992, na Universidade de Santa Catarina, estava relacionada ao levantamento de gorduras trans em gorduras técnicas e produtos de mesa.
Revista Óleos & Gorduras – Quando e como conheceu a SBOG?
Jane Mara Block – A minha relação com a entidade teve início em setembro de 1993 por meio do grupo liderado pelo professor Dr. Daniel Barrera-Arellano, que foi quem fundou a SBOG. Naquele ano eu cursava o segundo ano do meu doutorado no Laboratório de Óleos e Gorduras da UNICAMP em um projeto de formulação de gorduras utilizando redes neurais, também sob a orientação do professor Daniel. Tive a oportunidade de acompanhar a SBOG desde a sua criação, há 28 anos.
Além de me associar naquela época como estudante de pós-graduação, atuei por um breve período na secretaria da entidade. Após a defesa do meu doutorado, em 1997, e já como professora na UFMS (1996-1999) e depois na UFSC (2000-atual) continuei minha atuação na área de óleos e gorduras, orientando alunos nesta temática e participando dos eventos organizados pela SBOG. Em 2004 fui eleita para a presidência do biênio 2004-2006 e reeleita em 2006 para o biênio 2006-2008. Nos biênios 2008-2010 e 2012-2014 participei como primeira tesoureira e como presidente novamente nos biênios 2014-2016 e, agora, 2020-2022.
Revista Óleos & Gorduras – Como você avalia sua jornada na SBOG?
Jane Mara Block – Tenho atuado de forma ativa na SBOG, especialmente a partir de 2004 quando fui eleita para a presidência pela primeira vez. Ao longo destes anos a associação promoveu vários eventos nacionais e internacionais e participei da organização de vários deles, com destaque para o Congresso Latino-Americano de Óleos e Gorduras, em 2007, em Florianópolis.
Revista Óleos & Gorduras – Como foi assumir este cargo em meio a uma grave crise sanitária mundial?
Jane Mara Block – Foi um grande desafio. Em maio de 2020 ainda não tínhamos a noção do que estava acontecendo. Não sabíamos quanto tempo as atividades presenciais ficariam suspensas e a dimensão da tragédia que abateria o Brasil, resultado do negacionismo e da falta de vontade política e incapacidade do governo para combater a pandemia através da vacinação e de campanhas de esclarecimento para a população. Rapidamente entendemos que seria um tempo maior do que estávamos supondo. Lançamos em junho de 2020 a primeira edição do SBOG Informa on-line, um informativo publicado a cada dois meses; organizamos várias palestras também on-line e o II IMFO – International Meeting on Fats and Oils.
Em 2021, além das palestras foi realizada, em junho, a primeira edição do SBOG Debate sobre processos enzimáticos na área de óleos e gorduras. Também neste período de pandemia exploramos os canais on-line da SBOG como facebook, instagram e youtube, que foram importantes para a continuidade das atividades. Estamos aguardando a gradativa volta das atividades presenciais para uma interação mais significativa entre os setores ligados à área de óleos e gorduras. Além da união e do trabalho comprometido de toda a diretoria, estamos superando esta fase difícil por meio do apoio dos nossos grupos de trabalho, dos sócios-profissionais e corporativos, da ASAGA que fornece de forma gratuita aos sócios da SBOG sua Revista Aceites y Grasas e inscrição em alguns eventos on-line. A Editora Estilo também é parceira e cede espaço para a SBOG na revista Óleos e Gorduras para a divulgação de artigos técnicos desenvolvidos em parceria com o laboratório de Óleos e Gorduras da UNICAMP.
Revista Óleos & Gorduras – Quais são os desafios enfrentados atualmente?
Jane Mara Block – A SBOG é uma entidade sem fins lucrativos e que tem como principal objetivo a integração entre a academia e o setor produtivo da área por meio da divulgação técnica e científica. Historicamente tem organizado eventos nacionais e internacionais para compartilhar as principais pesquisas, processos e desenvolvimentos na área. A diretoria, que tem trabalhado de forma contínua e em conjunto, é formada por um grupo de 6 pessoas constituído atualmente por mim que ocupo a Presidência; Juliana Rodrigues Ract na Vice-Presidência; como 1º e 2º secretários, Danilo Lima e Paulo Telles respectivamente; Itaciara Larroza Nunes como 1ª tesoureira e Glazieli Marangoni a 2ª tesoureira. Temos também três grupos de trabalho: relação com os sócios, com a indústria e de eventos. Estes grupos realizam um trabalho voluntário e nosso desafio é manter um quadro permanente de associados. A manutenção dos associados profissionais e corporativos e os patrocínios para a realização dos eventos foram fundamentais para a continuidade das atividades da SBOG.
Revista Óleos & Gorduras – Qual a expectativa para o próximo evento presencial da SBOG?
Jane Mara Block – O próximo evento, o III International Meeting on Fats and Oils: Emmerging Challenges in a Changing World, está programado para acontecer entre os dias 10 e 12 de maio de 2022 durante a FENAGRA, em Campinas (SP). Nossa expectativa é reunir um público grande, que está esperando para poder interagir de forma presencial após tanto tempo de isolamento. Já estamos trabalhando na programação e alguns temas foram definidos, dentre eles, os avanços na lipidômica; aspectos relacionados à produção sustentável; nutrição e mitigação de contaminantes em óleo de palma; a lei da biodiversidade e a pesquisa na área de óleos e gorduras; tecnologias limpas para os processos de extração e processamento; novas regulamentações e rotulagem para a área e aplicações industriais de óleos e gorduras. Estamos programando também uma palestra relacionada ao cenário econômico no Brasil e no mundo.
Revista Óleos & Gorduras – Quais vêm sendo as prioridades da atual gestão?
Jane Mara Block – A atual diretoria que está à frente da SBOG teve como uma das principais prioridades, durante este período de pandemia, a manutenção dos canais de comunicação e integração entre os sócios por meio de várias atividades on-line. O aumento do nosso quadro de associados e a participação mais ativa dos mesmos também são prioridades da atual gestão.
Revista Óleos & Gorduras – Sobre as pesquisas e estudos acerca do cultivo de oleaginosas e dos óleos vegetais quais são os principais desafios para o Brasil?
Jane Mara Block – Uma das questões importantes sobre o cultivo de oleaginosas e produção de óleos vegetais no mundo é a produção de combustíveis a partir de óleos e gorduras para substituir os produtos derivados do petróleo. No Brasil, o biodiesel foi introduzido na matriz energética nacional por meio da lei 11.097 de 2005 que estabeleceu o percentual mínimo de mistura obrigatória de 5% de biodiesel ao óleo diesel. Os percentuais de mistura, definidos pelo CNPE, começaram com 2% em janeiro de 2008; 5% em janeiro de 2010 e aumentos graduais até 13% março de 2021 e a previsão da mistura obrigatória de 15% para março de 2023. No Brasil, a soja e as gorduras animais representam mais de 80% da matéria-prima utilizada para produção de biodiesel. A importação de óleo de soja pelo Brasil aumentou em 2021 em função do aumento da incorporação de biodiesel ao diesel e da autorização da ANP, no final de 2020, para o uso da matéria-prima importada na produção de biodiesel. De acordo com o Ministério da Agricultura, a importação de soja nos primeiros 8 meses de 2020 foi de 22.118 toneladas e passou para 86.129 toneladas no mesmo período em 2021. O estudo de novas matérias-primas, entre elas as microalgas, e novas tecnologias que sejam sustentáveis e que não sejam uma ameaça ao suprimento de alimentos são muito importantes neste contexto.
O Brasil pode se tornar um líder mundial na produção sustentável de biocombustíveis sem afetar a produção de alimentos, mas para que isto aconteça o incentivo e o financiamento de pesquisas sobre novas fontes e novas tecnologias são imprescindíveis. As pesquisas apontam que a solução para o aumento dos biocombustíveis na matriz energética mundial deve ser alcançada, utilizando diferentes matérias-primas e processos.
Outro desafio é a proibição da utilização das gorduras parcialmente hidrogenadas em alimentos no Brasil a partir de 2023. O estudo de novas matérias-primas e processos é importante para a indústria de alimentos que precisa se adaptar a esta nova regulamentação. O desenvolvimento e a liberação para a comercialização de sementes geneticamente modificadas, como já acontece com o óleo de girassol alto oleico nos EUA, na Argentina e Europa devem fazer parte da solução para esta questão. Da mesma forma que para os biocombustíveis, a solução deve passar pela diversidade de matérias-primas e de processos, além do investimento pelas indústrias e pelo governo em P&D.
Revista Óleos & Gorduras – Em virtude das atuais demandas de consumo, houve alguma mudança na cultura das oleaginosas?
Jane Mara Block – O óleo de soja continua sendo a principal cultura oleaginosa do Brasil, que passou a ser o maior produtor em 2020 com mais de 120 milhões de toneladas produzidas em uma área plantada de mais de 36 milhões de hectares. Merece também destaque a cultura da palma, que aumentou significativamente nos últimos anos em função do seu crescente uso pela indústria de alimentos, cosméticos e de biocombustíveis. A produção está concentrada no Pará, que de acordo com a Abrapalma (Associação Brasileira de Produtores de Óleo de Palma), é o estado responsável por mais de 85% da produção brasileira em função de questões climáticas, sendo o restante produzido na Bahia e Roraima. Existem projeções para o aumento da produção, mas este é um assunto complexo que envolve também questões ambientais e sociais. Aliás, este é um dos temas que devem ser tratados no III IMFO– International Meeting on Fats and Oils, no próximo ano.
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